quinta-feira, 7 de maio de 2009

A esfera do eu



Cresci ouvindo dizer que o círculo é a forma perfeita.
Sem arestas, sem pontas, sem cantos, sem começo e sem fim, o círculo representa graficamente o ideal estético e artístico, a forma arredondada, que nos remete às nossas origens e aos nossos desejos mais primitivos.
Afinal a Terra é redonda, o sol e a lua são lindas e brilhantes esferas celestes, seios são arredondados, bundas também (Freud explica). As encantadoras e misteriosas íris de nossos olhos são faróis arredondados que possuem intensos focos coloridos, capazes de cegar ou de incendiar amantes indefesos. Até a cerveja já conseguiram deixar redonda e a caneta, já fabricaram esferógráfica.
Não há como negar: as curvas são muito mais atraentes que as retas, ainda mais sendo perfeitas. É comum a visão de crianças correndo atrás de uma bola. Também não é à toa que existem tantos apaixonados por vôlei, basquete, tênis, frescobol, boliche, baseball, handball, ping-pong, gude, sinuca e futebol, só para falar dos esportes mais populares.
Assim, entre os prazeres e atividades da vida, nos rendemos à soberana figura esférica do círculo, criando ciclos diários em nossa rotina, elipses metafóricas de linguagem, pontos finais ou de seguimento em nossas relações, reticências em forma de escudos resistentes que nos aprisionam numa espécie de bolha em que, achamos, estamos protegidos do mundo e dos outros.
É a chamada esfera do EU. Uma forma perfeita para uma fórmula infeliz. Fechados para os outros dentro desta esfera, aprisionamos a essencialidade humana e nos defendemos daquilo que melhor nos alimenta: o contato com o semelhante.
Mas o mundo capitalista e globalizado nos incentiva a permanecer no isolamento desta esfera, cercado por visões unilaterais, preconceituosas e fabricadas pelo individualismo.
Ali estamos seguros, defendidos por sentimentos egocêntricos e mesquinhos, armados com argumentações focadas na nossa própria percepção do universo, comodamente instalados no nosso bunker de auto-estima e auto-preservação. E desta forma nos tornamos mais fracos, muito mais fracos, consumidos por um atroz e selvagem egoísmo, crescente e voraz, como um tumor que nos invade silenciosamente e nos destrói sem que sequer tenhamos a consciência disto.
Ali, naquele casulo sagrado, nos tornamos seres cada vez mais insensíveis, surdos à voz alheia, presos em nossas limitações, impotentes e incapazes de romper velhas fronteiras, acomodados na ilusão de que ali permaneceremos tranquilamente enquanto o tempo e as pessoas passam por nós, a maioria delas também cega e surda, dentro de suas bolhas auto-protetoras.
Não vejo muita perfeição nesta esfera em que habitamos. Não do jeito que estamos sobrevivendo por aqui..
E a esfera do EU tem inchado tanto os egos, que os espaços entre as bolhas soberbas das pessoas está quase inexistente. O que nos resta então? Esperar e explodir?
Presidentes, governadores, prefeitos, “guardiões do bem estar público e da coletividade” constroem redomas de corrupção à sua volta, beneficiando parentes, amigos e minorias que estão cada vez mais ricas e egoístas, enquanto uma maioria órfã e infeliz continua a sonhar com um salvador, com alguém que tenha a sublime capacidade de olhar por ela. Senadores, deputados, juízes e advogados são os primeiros a burlar a lei movidos por interesses próprios. Médicos já não curam, nem escutam, nem auscultam, nem atendem. Simplesmente analisam resultados de exames, muitas vezes sendo os últimos a pensar que o que está em jogo ali é uma vida humana. E assim, passeando entre engenheiros e arquitetos sem nenhuma base, jornalistas omissos, publicitários desonestos, comerciantes gananciosos, empresários irresponsáveis, professores desinformados, religiosos incoerentes, enfim, profissionais de todas as áreas descompromissados e focados apenas no próprio umbigo (também é uma forma arredondada, não?), paramos para pensar que esta “fachada” arredondada e perfeita anda mal das pernas... A Terra está moribunda. Nomes, sobrenomes, honra, caráter, ética, amizade, respeito, direitos, deveres, bondade, amor, carinho, abraço, união, solidariedade são coisas caretas, ultrapassadas, sem sentido para gerações que chegam pensando única e exclusivamente em si mesmas.
Este modelo que está aí anda precisando de uma revisão, de um check-up geral, de um repensar sobre para onde está caminhando ou então eu estou completamente errado e, por isso mesmo, absoluta e irremediavelmente fora deste mundo.
Se assim for, só tenho certeza de uma coisa. Se este mundo que está aí é redondo e perfeito, podem estranhar, criticar, sacanear, ridicularizar à vontade, mas eu prefiro ser quadrado!

Nenhum comentário:

Postar um comentário