quinta-feira, 31 de março de 2011

Um último poema em março




No apagar das luzes de um dia
Antes que o sol venha pregar alguma peça
Eis que surge, do nada, uma poesia
Que no papel se esvai, em si, confessa...

Nada de filosofia vã e sóbria
Nada de ideologia em si expressa
Apenas um quinhão de nostalgia
De um mês que se despede, assim, sem pressa!

Um último poema para março
Na correnteza de suas águas radioativas
Que transformaram algas em sargaços
E reduziram vida em sobrevida...

No acender das luzes de outro mês
Quem dera reduzir as lágrimas a um cantil
E o terremoto- tsunami japonês
A um trote de primeiro de abril...

terça-feira, 29 de março de 2011

Sobre a perda




Há tantas formas de perdas.
Há as trágicas, como a que arrancou tantas vidas no Japão recentemente, seja pelo terremoto, seja pelo Tsunami, seja pela radiação. Do outro lado do mundo pudemos experimentar um pouco do enorme vazio de uma nação que tanto tem a ensinar ao ocidente e ao oriente fundamentalista.
Há as pessoais. Como a de uma sogra, de um amigo, de um irmão, de pais e filhos, de companheiros de uma vida. Do lado de dentro da gente um mundo entra em colapso e cada um de nós se vê tentando sobreviver no centro de um terremoto de emoções e um tsunami de lembranças.
Há perdas emblemáticas, como a morte do ex vice-presidente José Alencar. Cada brasileiro se sentiu um pouco derrotado quando, finalmente, o câncer ganhou a dura batalha de tantos anos. Cada brasileiro se sentiu “morrer” um pouco...
Há perdas parciais mas, nem por isso, menos dolorosas. Um amigo que se muda, um amor que se acaba, um filho que se transforma, um líder que nos deixa, um sonho que se acaba, ao menos, momentaneamente, deixando todos com a esperança que, um dia, tudo volte a ser do mesmo jeito.
Lidar com a perda não é fácil. Porque todo recomeço é muito difícil. E perda pressupõe recomeço.
Por isso há tantas formas de lidar com perdas. Há quem fique paralisado. Há quem fique deprimido. Há quem fique choroso. Há quem simplesmente não aceite. Mas há, também, quem permaneça de pé e mantenha a fé contra tudo e contra todos.
Acabo de vir de uma celebração centralizada na partida de um sacerdote para outra missão. Depois de seis anos ele deixa uma comunidade se sentindo órfã, mas segue confiante para abraçar uma outra que, com muita convicção, deve estar precisando muito mais de uma pessoa como ele do que a de cá.
A emoção e saudade no adeus foram comoventes, porque absolutamente verdadeiras. Quem não o conhecesse e ali estivesse, poderia facilmente reconhecer, pela reação daquela comunidade, o grande sacerdote que estava se despedindo naquele momento. Olhos marejados aqui, soluços incontidos ali, num ambiente de aceitação diante do inevitável. Pelo seu exemplo diário de disponibilidade e amor ao próximo, ninguém se sentia no direito de sinalizar qualquer tipo de não aceitação. Seria egoísta não partilhar com outras comunidades a graça de ter aquele sacerdote como pastor. E, no entanto, ali estava, vivo, latente e pulsante o inexorável peso da perda.
Não há como negar que toda perda pressupõe aprendizado. A perda do movimento faz valorizar a liberdade. A perda da amizade faz valorizar a sua gratuidade. A perda material faz valorizar o sagrado suor do trabalho. A perda de alguém faz valorizar o dom da vida.
E de repente, algo tão grandioso se torna tão frágil, tão fugaz, tão pequeno...
Aí perdemos nossa arrogância, nossa soberba, nossa estranha mania de não viver o agora e, assim, vivendo de passado e de futuro, acabamos por perder o lado mais importante da vida, o já!
Perdemos amigos muito próximos. Perdemos bons negócios. Perdemos oportunidades únicas. Perdemos um grande amor. Perdemos a fé. Perdemos o sentido. Perdemos o rumo, a direção, a libido, o espaço, perdemos a fome, o tesão, o paladar, a audição, a visão, o olfato, o tato, perdemos o viço, perdemos o dinheiro, perdemos a força, perdemos a saúde e, quando finalmente nos encontramos frente a frente com nós mesmos, descobrimos quanto tempo perdemos preocupados com o que tínhamos a perder. Quantos abraços não demos, quantas ligações deixamos de fazer, quantos perdões deixamos de oferecer, quanta atenção ousamos negar muitas vezes a quem mais merecia... Quanto deixamos de ser...
Mas aí a perda já se deu. E aí, amigo, amiga, desculpe, mas foi você quem perdeu!
Há tantas formas de perdas. Há tantas formas de lidar com elas.
Perder faz parte do jogo. Mas levantar, recomeçar e buscar a vitória também faz.
Ler este texto pode ter significado perda de tempo. E, com certeza, terá mesmo sido se, depois de um tempo, ele não te ajudar a se encontrar melhor, evitando tanta perda desnecessária em sua vida.
Talvez a forma mais digna e bonita de se perder seja celebrar a vitória do adversário. Chamar a morte de irmã e se alegrar com suas conquistas. Sentir que de um dos lados existe alegria suficiente para alegrar os dois lados. Talvez “oferecer a outra face” seja isso...
“Onde está sua vitória, oh morte”, quando passa a ser meu triunfo também?
Onde está sua vitória, oh saudade, quando tenho em mim as lembranças vivas?
Onde está sua vitória, oh dor, quando tenho a certeza de ter combatido o bom combate?
Não, não há perda que não se ajoelhe diante da fé!
Outras comunidades virão, outros sacerdotes, outros vice-presidentes. Mas os bons exemplos ficarão bem guardados e perpetuados no coração de muitos...
Diante desta certeza, cabe perguntar, quem perderá o que, então?

Tradução sensorial


Feche os olhos,
deixe o vento convidar
os seus cabelos pra dançar
num show de sol no céu
do fim da tarde...

Feche os olhos
ouve o azul se transformar
em espuma branca a se quebrar
num pôr de mar nas praias
da cidade...

Tradução sensorial
das línguas naturais
em dias tão normais
parecem coisas raras...


Mas o dia que passou
nunca mais vai ser igual
cada um é especial
por isso o mundo nunca para...

Cada pessoa que encontrar
sempre vai ser diferente
o que importa é que seja gente
e que não tenha duas caras...

segunda-feira, 28 de março de 2011

Templo de mim mesmo


Vento está chegando
renovando o tempo
a chuva vai regando
servindo de exemplo
No templo de mim mesmo
lanço joelho ao chão
rezo em poesia
e faço uma oração
ouso uma melodia
num velho violão
pra transformar o dia
em canção
Vento está soprando
velas na contramão
chama vai resistindo
na escuridão
No templo de mim mesmo
apago a solidão
rezo em poesia
e faço uma oração
ouso uma melodia
num velho violão
pra transformar a noite
em canção

Menino sem Madonna




Uma ciranda
uma balada
uma varanda
na madrugada
um vagalume
grama estrelada
faca sem gume
chão sem estrada


Uma carona sem destino
Uma Madonna sem menino
E se o céu cair, como vai ficar?


Uma odisséia
uva pisada
numa boléia
carga pesada
perna cigana
mão calejada
leque que abana
face corada


Um destino sem carona
Um menino sem Madonna
E como vai ficar, se o céu cair?

Alguém especial

Olhar que desvia
Rosto que vira
Mão que se esquiva
Gente que gira


Entre sentimentos
sem razão
o tempo apaga
a ira e a paixão

Pra que tentar então
se equilibrar em vão
no fio de uma adaga?


Deixa passar
deixa sangrar
que o amor
vai estancar
a dor e te curar


Não caia na cilada...
Estenda uma palavra
se não der para sorrir
um gesto, um movimento,
na direção contrária de ferir


Olhar que anestesia
Rosto que se expõe
Mão que quebra o gelo
Gente que se impõe


Não mais pela força bruta
não mais pelo troco igual
mas por saber
fazer a diferença
mas por tentar
ser alguém especial...

Perguntas e respostas

Você me pergunta
o que eu quero
qual a resposta
pro que eu espero
e eu te pergunto
se você não sabe
que o meu desejo
é te fazer feliz...


O sol é testemunha
das vezes que fiquei
esperando a luz fazer
nascer um outro dia

A lua é companheira
das horas que contei
buscando um jeito de te dar
calor na noite fria


E agora você vem me perguntar
o que eu espero e o que eu quero de você...
Agora você insiste em questionar
e essa canção que eu fiz é pra te responder...


Mais de um bilhão de estrelas
podem confirmar
a mesma resposta
que você vê em meu olhar...


Mas será que você quer escutar?
Será que você quer mesmo ver?
Ou perguntou por perguntar
sem perceber?

sexta-feira, 25 de março de 2011

Cartão Postal



Num cartão postal
eu viajei até o seu olhar
entre letras e caminhos
palavras procuram um par
chamando pra dançar
seja num caderninho
num email ou num pergaminho
medieval...


Num cartão postal
no verso de uma paisagem
contrastando com o colorido
monocromática mensagem

Será miragem?

Um cartão postal
uma viagem
conexão visceral
entre tantas e tantas imagens


Palavras soltas ao vento
formando nuvens de sentimentos
aguardando a hora chegar
pra regar a Terra, o verde e o mar


Será chantagem?


Um por de céu no mar
selos para postar
beijos para selar
toda verdade!

Juízo parcial


O passado bate à porta
nos reporta a um chamado
o passado está ao lado
e corta o tempo em dois:
antes e depois!

O passado está à espera
na memória quantos “teras”?
O presente importa arquivos,
Lembranças com o crivo
da eterna esperança no dia de amanhã...

No dia de amanhã
o sol se lança num anzol
traz do fundo o alimento
ainda em movimento
enquanto liga o mundo
o tempo diz que acordou
de um sono bem profundo
da noite que passou!


O passado traz de volta
uma tribo e sua escolta
é a indimensão do ser
toda razão de ser atemporal
natural missão de estar
transcendental
na corda bamba
entre o bem
e a falta que ele faz
quando se perde a paz...

A imagem no espelho
insiste em revelar
todo o passado bem ali do lado
todo passado ali pra te inspirar
quem sabe um canto novo
quem sabe uma oração qualquer
quem sabe uma mulher,
um anjo pra guardar
sua voz e sua fé...


Quando finalmente
tudo isso passar
bem na sua frente
um filme pra você pausar
todo passado, todo presente,
todo o tempo pra você julgar
você como gente...

quarta-feira, 23 de março de 2011

Elementar



Vento
Sopra
Vela
Queima
Pele
Arde
Sol
Teima

Água
Dança
Onda
Quebra
Perna
Trança
Mão
Celebra

Terra
Cuida
Verde
Chama
Bicho
Sente
Gente
Ama

Fogo
Acende
Noite
Assusta
Céu
Se rende
Tempo
Custa

Temporais e Porcelanas




temporais
são tão intempestivos
lembram explosões
de sentimentos,
gargalhadas, lágrimas,
gestos instintivos,
fortes vulcões
e intensos movimentos
de plataformas submersas,
imersas, muito além
de alguns olhares furtivos,
sem pressa,
ardendo em pensamentos
sempre abrasivos...

Gotas que se repetem,
ecos de nuvens,
estas leves e breves
manifestações femininas
que, de um instante para o outro,
transformam-se
em cinzentas felinas
e esquecem os tons pastéis
que lhes caem tão bem,
nas suas formas mais diversas,
perversas odaliscas no harém,
dançando com o ventre
sobre os homens
que se curvam aos seus pés...

A água se derrama
entre rios de mágoa e drama,
procurando o primeiro leito vazio
para deitar seu cio
no momento exato da trama
quem chama?
O que tanta água proclama?
Onde encontrar o fogo no frio?
Onde esquentar a neve
na lama?
A dama, a cama,
o complemento
do intenso e absurdo vazio
tão frágil como porcelana...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Sonhos Reais



Antes de nascer devia sonhar com uma família legal. Deus caprichou na minha. Avós, pai, mãe, padrasto, irmão e irmã, cunhados, sogro e sogra, tios, tias, primos. Um festival de gente muito especial, aos quais aprendi a amar e com os quais tenho aprendido muito sobre ser gente!
Criança, eu sonhava em exercer um monte de profissões. Todas ligadas à aventura, distante de uma rotina entediante. Acabei escolhendo a publicidade, na qual cada dia é uma aventura e não há rotina. Cara, acertei em cheio!
Sonhei em ter amigos como via meus pais terem. A vida foi generosa neste sentido, me dando além de bons amigos, alguns irmãos de caminhada...
Depois sonhei com algumas mulheres, umas nos campos da utopia, outras em terreno bem real. Após algumas experiências, sonhei com alguém que se destacava das outras pela sua liderança, sua fé, sua personalidade e, porque não, por suas belas curvas. Dissemos-nos “sim” num certo dia 8 de setembro. De novo, sonhos se realizavam...
Aí sonhei com um filho. Deus não poderia ter sido mais feliz na sua criação: uma grande alegria foi crescendo, crescendo e hoje é esta adolescente cheia de personalidade, talento e inteligência, vivendo seu momento muito próprio de amadurecer...
Sonhei em ter um cachorro e um cavalo. Através da minha filha realizamos este sonho...
Sonhamos em ter um sítio, uma casinha de campo. As nossas famílias possuem, cada uma o seu. Temos curtido bastante...
Sonhei também em seguir o exemplo de meus pais numa vida digna e honesta. Mesmo não sendo perfeito e cheio de quedas e contradições, graças a Deus nunca envergonhei ninguém.
Sonhei com os filhos de meus irmãos. Além de quatro sobrinhos muito especiais, de sangue, sendo dois deles afilhados, ganhei também mais oito dos irmãos agregados...
De tanto sonhar, acabei realizando coisas que nunca havia sonhado: poesias, músicas, peças, logomarcas, slogans, paraliturgias, sociodramas, crônicas, contos, vt’s, spots, jingles, outdoors, sites, filmetes, capas de livros, cases, projetos e até um blog, quer dizer, três.
É verdade que nem tudo é sonho real.
Não sonhei em perder o convívio físico com meu pai tão cedo.
Não sonhei em ter que me despedir de meu sogro e minha sogra da forma como foi.
Não sonhei em ter que passar por algumas decepções com amizades, parentes e amores.
Não sonhei em encontrar tanta falta de coerência nos lugares e pessoas que mais deviam prezar por ela.
Mas se colocar na balança, foi muito mais sonho que pesadelo!
Não costumo sonhar com a morte, nem com a vida depois dela, embora acredite bastante nas duas. Mas acho que não é muito legal com Deus a gente ficar tentando adivinhar as surpresas que Ele reserva pra gente na outra dimensão. Mesmo porque, acho que mesmo que a gente quisesse, nem em sonho a gente conseguiria antecipar esta outra realidade.
E talvez, só neste caso, sonhar não valha mesmo muito à pena.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Entrega Visceral



Visceralmente entregar-se
Permissivamente fluir
Sofregamente enlaçar-se
Languidamente sorrir

Por todos os poros
todos os sentidos
pele, lágrima, saliva,
cheiro, som, carne viva
imagem, gosto, libido,
todos os esporos,
todas as pétalas,
todas as raízes,
todas as trocas
de pares felizes...

Inegavelmente negar-se
Assertivamente intuir
Infinitamente findar-se
Intrinsecamente expandir

Em cada palavra
em cada expressão
gesto, voz, manifesto
urro, sussurro, protesto
gemidos, suores, sorrisos
todos os dentes,
todas as garras,
todas as carícias,
de pares sem amarras...