sexta-feira, 3 de julho de 2009

Idade média




Não sei se acontece com você também.
Mas às vezes eu tenho a nítida sensação de que não vivo no tempo certo.
Me sinto um cavaleiro errante num mundo egocêntrico na sua forma e na sua dor.
Há muito mais gente preocupada em destruir castelos alheios do que propriamente em defender ou lutar pelos seus...
São contendas travadas nas catacumbas e masmorras, no escuro, na sombra...
Ninguém mais parece ligar para a nobreza de um duelo franco, honesto, cara a cara.
É um mundo sem honra...
Não há mais escudeiros fiéis nos campos de batalha, não há mais donzelas nas torres de concreto e aço, não há mais um dragão a derrotar. O mundo virou vilão de si...
E eu sigo vagando, entre meus moinhos, caminhando entre espinhos, a favor do vento,
entre uma e outra postagem, contemplando paisagens que muitas vezes já não dizem nada...

Não sei se acontece com você.
A fé é tão flexível que me parece morna, os sonhos tão perecíveis que mais parecem adornos, facilmente substituídos pela conveniência das horas...
Compromisso? Pra que?
Palavra? Por que?
Verdade? Pra quem?
Tenho saudade do silêncio medieval, ele ajudava as pessoas a se escutarem...
Hoje as pessoas se atropelam, cheias de razão e não se ouvem...
Há muito ruído, muito barulho, dentro e fora de seus templos...
E o tempo?
Vai passando errante, gigante relógio da existência itinerante, entre segundos e mundos inoperantes, vastidões interiores, deserto de amores sem sol...

Não sei o que acontece...
A era é digital e o sal da terra já não é o mesmo...
O porco bronzeado já não é mais torresmo.
O suíno se resfriou...
E espalhou por aí a gripe...
O mundo assume enfim que precisa de máscaras pra sobreviver...
Será?
Tenho vontade do vento medieval...
Vontade de sentir na pele o cheiro do campo, o toque do rio,
a moçada controlando seu cio, não pela força dos cintos de castidade,
mas pela própria força de vontade...

Não sei...
Meu espelho me diz que eu não seria um rei...
Talvez um Quixote preocupado com as manchas
que poluem o avental da Terra...
Talvez um monástico peregrino, entre conventos e aldeias...
Talvez um aldeão cheio de idéias...
Quem sabe um Mago ou um ermitão da floresta...
Na minha idade média só haveria uma lei:
a obrigatoriedade de possuir ao menos um sonho
e conviver coerentemente com ele,
sem armaduras, elmos, máscaras de ferro,
pontes elevadiças, fosso em volta dos castelos...
Revestidos somente de beleza,
sem gafanhotos ou sanseis
senhores e vassalos unidos pela nobreza
de uma humilde e sincera frase,
repleta de certeza:
“só sei que nada sei!”

2 comentários:

  1. Amigo Márcio,

    ... é verdade, continuo admirando muito a sua vasta capacidade de traduzir com elegância e senso crítico todo o vasto conteúdo que habita nossas almas inquietas. Sempre muito bom exercitar o olhar aguçado ante os tantos 'desvarios' do nosso mundo, da nossa época - a questão é: estaremos mesmo fadados à sensação de anacronismo?

    Grande abraço,
    Rafa.

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  2. E eu, sem querer, acabo de descobrir mais uma semelhança entre nós... "Não sei se acontece com você também.
    Mas às vezes eu tenho a nítida sensação de que não vivo no tempo certo."

    Essa sensação me acompanha há um bom tempo e já me deixou muito angustiada. Hoje eu me conformo em ser exceção nesse mundo tão avesso... E o que me conforta é saber que eu não sou a única e posso me espelhar em outras, como você!
    Sensacional esse post. Você é o cara!

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