terça-feira, 29 de março de 2011

Sobre a perda




Há tantas formas de perdas.
Há as trágicas, como a que arrancou tantas vidas no Japão recentemente, seja pelo terremoto, seja pelo Tsunami, seja pela radiação. Do outro lado do mundo pudemos experimentar um pouco do enorme vazio de uma nação que tanto tem a ensinar ao ocidente e ao oriente fundamentalista.
Há as pessoais. Como a de uma sogra, de um amigo, de um irmão, de pais e filhos, de companheiros de uma vida. Do lado de dentro da gente um mundo entra em colapso e cada um de nós se vê tentando sobreviver no centro de um terremoto de emoções e um tsunami de lembranças.
Há perdas emblemáticas, como a morte do ex vice-presidente José Alencar. Cada brasileiro se sentiu um pouco derrotado quando, finalmente, o câncer ganhou a dura batalha de tantos anos. Cada brasileiro se sentiu “morrer” um pouco...
Há perdas parciais mas, nem por isso, menos dolorosas. Um amigo que se muda, um amor que se acaba, um filho que se transforma, um líder que nos deixa, um sonho que se acaba, ao menos, momentaneamente, deixando todos com a esperança que, um dia, tudo volte a ser do mesmo jeito.
Lidar com a perda não é fácil. Porque todo recomeço é muito difícil. E perda pressupõe recomeço.
Por isso há tantas formas de lidar com perdas. Há quem fique paralisado. Há quem fique deprimido. Há quem fique choroso. Há quem simplesmente não aceite. Mas há, também, quem permaneça de pé e mantenha a fé contra tudo e contra todos.
Acabo de vir de uma celebração centralizada na partida de um sacerdote para outra missão. Depois de seis anos ele deixa uma comunidade se sentindo órfã, mas segue confiante para abraçar uma outra que, com muita convicção, deve estar precisando muito mais de uma pessoa como ele do que a de cá.
A emoção e saudade no adeus foram comoventes, porque absolutamente verdadeiras. Quem não o conhecesse e ali estivesse, poderia facilmente reconhecer, pela reação daquela comunidade, o grande sacerdote que estava se despedindo naquele momento. Olhos marejados aqui, soluços incontidos ali, num ambiente de aceitação diante do inevitável. Pelo seu exemplo diário de disponibilidade e amor ao próximo, ninguém se sentia no direito de sinalizar qualquer tipo de não aceitação. Seria egoísta não partilhar com outras comunidades a graça de ter aquele sacerdote como pastor. E, no entanto, ali estava, vivo, latente e pulsante o inexorável peso da perda.
Não há como negar que toda perda pressupõe aprendizado. A perda do movimento faz valorizar a liberdade. A perda da amizade faz valorizar a sua gratuidade. A perda material faz valorizar o sagrado suor do trabalho. A perda de alguém faz valorizar o dom da vida.
E de repente, algo tão grandioso se torna tão frágil, tão fugaz, tão pequeno...
Aí perdemos nossa arrogância, nossa soberba, nossa estranha mania de não viver o agora e, assim, vivendo de passado e de futuro, acabamos por perder o lado mais importante da vida, o já!
Perdemos amigos muito próximos. Perdemos bons negócios. Perdemos oportunidades únicas. Perdemos um grande amor. Perdemos a fé. Perdemos o sentido. Perdemos o rumo, a direção, a libido, o espaço, perdemos a fome, o tesão, o paladar, a audição, a visão, o olfato, o tato, perdemos o viço, perdemos o dinheiro, perdemos a força, perdemos a saúde e, quando finalmente nos encontramos frente a frente com nós mesmos, descobrimos quanto tempo perdemos preocupados com o que tínhamos a perder. Quantos abraços não demos, quantas ligações deixamos de fazer, quantos perdões deixamos de oferecer, quanta atenção ousamos negar muitas vezes a quem mais merecia... Quanto deixamos de ser...
Mas aí a perda já se deu. E aí, amigo, amiga, desculpe, mas foi você quem perdeu!
Há tantas formas de perdas. Há tantas formas de lidar com elas.
Perder faz parte do jogo. Mas levantar, recomeçar e buscar a vitória também faz.
Ler este texto pode ter significado perda de tempo. E, com certeza, terá mesmo sido se, depois de um tempo, ele não te ajudar a se encontrar melhor, evitando tanta perda desnecessária em sua vida.
Talvez a forma mais digna e bonita de se perder seja celebrar a vitória do adversário. Chamar a morte de irmã e se alegrar com suas conquistas. Sentir que de um dos lados existe alegria suficiente para alegrar os dois lados. Talvez “oferecer a outra face” seja isso...
“Onde está sua vitória, oh morte”, quando passa a ser meu triunfo também?
Onde está sua vitória, oh saudade, quando tenho em mim as lembranças vivas?
Onde está sua vitória, oh dor, quando tenho a certeza de ter combatido o bom combate?
Não, não há perda que não se ajoelhe diante da fé!
Outras comunidades virão, outros sacerdotes, outros vice-presidentes. Mas os bons exemplos ficarão bem guardados e perpetuados no coração de muitos...
Diante desta certeza, cabe perguntar, quem perderá o que, então?

2 comentários:

  1. É man, a grande verdade sobre a perda é sempre vela como o recomeço mesmo, e olhar pra frente fazendo dos traumas adquiridos dessa perda, uma forma de melhoria própria, pois sempre precisamos evoluir para conquistar coisas novas e quem sabe não perde-las. Porém sabemos que nada dura pra sempre, e que um dia tudo irá tornar-se apenas lembranças e aprendizado de alguma forma. Espero que todos saibam aprender com as perdas, sendo elas grandes ou pequenas, pois é só o que podemos fazer.

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  2. Eu teria, sim, perdido um momento de reflexão e aprendizado se não tivesse parado pra ler esse texto.
    Adoro suas poesias, mas seus textos em prosas são imbatíveis.
    Obrigada por mais esse ensinamento.

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