sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

A mística da poesia concreta



Acabei de acordar!
Ao despertar de um sonho
que se perdeu na memória,
vou até a janela do apartamento
e contemplo o mundo lá fora...
Ele me oferece sol e fumaça,
o azul do céu e o barulho dos carros,
flores que não precisam de jarros
e a algazarra de alguns bichos...
Um vira-latas que caça, no lixo,
seu café da manhã e um passarinho
que canta entre os galhos para dezenas de fãs...
Um carro de som interrompe, vendendo frutas
enquanto uma freira cruzaseu caminho
com uma prostituta,
uma começando o dia, outra terminando...
uma praguejando, outra assobiando com alegria...
Qual delas seria?
Na magia do instante
meus olhos parecem lapidar um diamante:
a pedra bruta da vida revela-se
em quilates de surpreendentes flagrantes...
O aposentado voltando da padaria
despeja um trocado nas mãos vacilantes
de um menor abandonado
que, há muito, não sorria...
Numa varanda em frente
a secretária do lar arrisca sua vida
tentando limpar o vidro mais distante...
Do prédio ao lado, num rompante,
o insone vigilante grita pra ela ter cuidado...
Será seu namorado ou amante?
A velhinha que tudo observa
sentada em uma cadeira de balanço
não dá descanso à filha mais nova,
solicitando respostas e presença
enquanto põe à prova a sua paciência
no repetitivo gorjear de seu crepúsculo manso...
No canteiro no meio da rua
começa a juntar gente
jaz, ali, um indigente...
A morte de forma crua
decidiu fazer seu "repente"
levando aquela alma nua...
deixando seu corpo sozinho
inerte no meio da rua...
Mas enquanto a morte atua
como parte do caminho,
a vida se perpetua...
Não é que a gata do vizinho
pariu seus cinco filhinhos
na mesma noite de lua?
E o filme vai passando
sem que ninguém se dê conta
que de uma janela qualquer
um poeta faz de conta
a vida como ela é...
Ele acabou de acordar...
E faz força para lembrar
de seus mais próximos sonhos,
enquanto vê a realidade se transbordar
além de seu próprio tamanho...

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