segunda-feira, 6 de julho de 2015

Alma imortal (Uma homenagem ao espetáculo homônimo e sua interprete Clarice Niskier - Foto divulgação)




Clarice:

Obrigado por sua "Alma Imoral"
Sua oferenda de tudo é um sacerdócio que nos alerta sobre nossas inúmeras oferendas de nada,  no nosso aprendizado diário.
Ao transformar sua fala em ofertório vivo e partilhar com cada um de nós as certezas e incertezas que alimentam o seu espírito, você se faz alimento de nossas almas imortais...
Sua nudez se faz sacramento, porque transcende o universo corporal e nos liga, ou religa, à "indimensão" de nossa essência. Sua entrega é conexão de olhos que se buscam na expressão mais pura do seu olhar! Olhar que nos toca e nos permite embalar questões inquietantes na estrada cujo destino é a paz!
Na simplicidade do preto e branco, seu corpo alvo se funde com o pano negro, em coreografias tão leves, breves pausas suaves entre suas provocações generosas...
Sua "alma imoral" então se une a eles e nos chama para dança, chama que dança e nos confunde com sua incrível capacidade de iluminar!
Entre ironias doces e sintonias intensas, viagens imensas em nosso universo rudimentar...
Não, Clarice, embora esta obra possa parecer, aos menos atentos, uma incrível incitação ao pensar, não é pelo pensamento que margeamos a compreensão de seu conhecimento...
É pelo sentir!Pelo se deixar... Pelo fluir!
Um novo ânimo para velhas ou enraizadas "ânimas"...
Almas que passeiam e celebram, sorvem e se alegram em cada segundo deste mundo controverso que você nos apresenta e expõe!
A melhor definição para isso não seria "comunhão"?
A partilha da transcendência sem cartilhas...
Ilhas e ilhas descobrindo (ou redescobrindo) que é o oceano que ao mesmo tempo as une e as separa...
Um arquipélago de emoções bem raras, num mundo governado pela pressa!
Sim, Clarice!
Sua "alma imoral" é, sem dúvida, um sacerdócio!
O "espinho na carne", ao qual São Paulo se refere, na carta em que bendiz nossa fraqueza humana como inequívoco caminho de interação pessoal com Deus!
Ao criar a "tradição" do seu ritual no teatro, seu templo trai a perigosa tentação do amém e, graças a Deus, vai além de qualquer pretensão catequética, qualquer julgamento ou conceito, revelando que o que realmente importa não é a exposição de dois peitos, mas a magnífica e singular nudez de um coração!
As Clarices que se alternam entre figurinos elegantemente despojados, desfilam sabedoria helênica, resiliência judia, austeridade monástica, espontaneidade fraterna e coerência matriarcal... Tudo isso, sem cair na cilada do "não me leve a mal"...
Você se joga e a gente roga por mais um pouquinho...
E enquanto você nos oferece tudo, nos percebemos oferentes de nadas...
Sim, porque aplaudi-la de pé por sua coragem e talento, por seu carisma e seu sacerdócio, não é nada comparado ao infinito com o qual nos presenteia com sua envolvente teia de histórias
e proposições que nos fazem suspirar!
Obrigado, Clarice, por sua "Alma Imoral"!
Você é luz, você é sal, num tempo escuro e destemperado...
Cuidadosamente nos embala em suas revisitas a personagens plurais, lapidados sob outros pontos de vista...
Em seu espetáculo (creio que poucas vezes uma definição se encaixou de forma tão literal) fica fácil enxergar uma diversidade de almas e olhares de mãos dadas, passeando nas praias da sua imersão!
De repente, um vento ou um trovão, corajosamente conseguem interpretar uma questão que está no ar, espreitando a oportunidade de se lançar:
-"Rabi", o rei está nú?
Posso adivinhar o sorriso de uma platéia surpresa ao perceber na resposta inquietante do silêncio, que o "Rabi" é quem está nú e na verdade é uma rainha que se despe e nos revela a pobreza e a nobreza de uma alma que se move e que, assim, sozinha, comove quem é capaz de fitar, no fundo de seu olhar impassível, toda a beleza de um espelho invisível!
Obrigado Clarice, por sua alma imoral, absolutamente visível!

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