Fui provocado ontem por um grande amigo, que num inesperado devaneio de amor por esta Terra e num momento de exaltação e euforia, causado por umas cervejas a mais, fez cair sob meus ombros a insígnia de "corneteiro" de uma cidade que, segundo suas palavras, precisa de mais positividade!
Entendo perfeitamente a preocupação deste amigo, que por sinal tem uma cabeça privilegiada: já tem gente demais falando mal de Salvador, cornetando os desacertos da capital e colocando o dedo na ferida!
O desafio dele foi o seguinte: ao invés de falar dos problemas, vamos apontar soluções. Desafio dado, desafio aceito. Por que não? É mister, porém, esclarecer que o conteúdo deste texto nada temde partidarismo, até porque, na humilde opinião deste pacato cidadão dos mais comuns, não há mais idealismo separando partidos no Brasil faz tempo. Mas, então, quem sou eu pra sugerir alguma coisa? Somente uma voz no meio da multidão oferecendo bom senso, nada mais.
Isto posto, dileto e fraterno provocador, começaria dizendo o seguinte: Salvador precisa do novo, sem menosprezar o antigo, quando existe qualidade. Mas o novo a que me refiro é o foco! Políticos, gestores e até aberrações passam por esta cidade como governantes e o que se vê é somente mais do mesmo. Há quantos anos não se pensa e se age administrativamente em Salvador de uma forma diferente? E há tantas formas de se conseguir destaque quando há tantas carências, que a única conclusão que chego é a de que está faltando vontade de fazer! Ops, olha eu cornetando...Sorry!
Ninguém é capaz de resolver todos os problemas estruturais desta cidade de uma vez. Mas é isso que todos prometem e não realizam. Pensar o novo hoje é assumir esta realidade e eleger ao menos uma prioridade, trabalhando muito sobre ela. Há tantas e tão básicas. Que tal eleger a saúde, por exemplo? Trabalhar duro sobre soluções viáveis e sensíveis à população durante o tempo de um mandato e fazer desta cidade uma referência neste setor. Ou a educação? Ou a segurança? Estou me referindo às questões básicas. Bom senso é objetividade, é compreender que o simples, muitas vezes, é a única fórmula que funciona de verdade! Olha o exemplo de Pernambuco. Um trabalho focado em segurança teve a aprovação de mais de 90% da população e possibilitou um novo mandato, com novos focos a se trabalhar. Simples. Apenas vontade de se executar de maneira bem feita o que foi proposto. O que foi prometido como prioridade foi entregue. E respaldou a continuidade. Simples!
A Saúde está um caos no Brasil inteiro. Não é exclusivo de Salvador. Pode-se, simplesmente, aceitar o fato. Mas também pode-se e deve-se enfrentá-lo. Soluções? O bom senso me diz que muitas delas passam pela fiscalização. Mutirões localizados envolvendo associações profissionais, empresas multinacionais e organizações não governamentais, num projeto piloto de atendimento padrão à população mais necessitada não só é possível, como pode ser "contagioso". Blitzes para fiscalização do atendimento, da administração e da infra-estrutura em postos de saúde e hospitais públicos, realizadas pelas principais autoridades da cidade na área de saúde, também me parecem ser bastante efetivas no quesito efetividade! Dá trabalho, dá! Mas muita coisa voltaria a funcionar. Pactos pela saúde em esferas específicas como BAIRRO e REGIÃO também são mecanismos simples e bastante eficientes para a se mapear e se transformar realidades que hoje beiram a desumanidade.
Salvador é uma cidade sem educação. Isso é histórico. Fato que já foi, inclusive, vendido como atração turística, numa época em que, no exterior, se enxergava o Brasil como uma terra de índios, aonde o pitoresco e o grotesco serviam como chamariz de curiosos e excêntricos turistas que até aqui se dirigiam para experimentar rituais e manifestações tribais. Tudo era aceito. Escritores famosos de uma geração, se consagraram por exaltar o odor característico de urina das ruas e paralelepípedos históricos! Era poético, instigante, quase sobrenatural. Hoje não é mais. É inaceitável. Salvador é uma metrópole que precisa oferecer o mínimo de bem estar, civilidade e educação a seus visitantes e, por que não, a seus moradores. Então, por que nãodesenvolver um programa, trabalhando a auto-crítica, contagiando as pessoas com o pensar coletivo, com a quebra de
paradigmas? Porque dá trabalho? Educar dá muito trabalho! E muitas vezes não dá voto. E olha o ciclo do Pão e Circo se perpetuando e destruindo a cultura, os valores e a auto-estima de um lugar tão especial. E olha eu cornetando de novo! Sorry again!
A transformação precisa vir de cima. Do comprometimento com a palavra! Do alinhamento entre discurso e ação. Da comunicação clara e verdadeira, doa a quem doer. Dos exemplos de educação, dados pelo diálogo, pela liderança e pelo respeito, mas sem abrir mão das próprias convicções. Fazer mais do mesmo é o caminho mais fácil. Ousar fazer e pensar diferente é o desafio. "Pseudo-verdades" que só levaram esta cidade a se depreciar nos últimos séculos precisam ser reescritas: O povo de Salvador não é exemplo nenhum de hospitalidade e cortesia, como querem alguns. Tem se mostrado muito mais interesseiro e aproveitador. Isso precisa ser trabalhado e modificado. O lixo é um problema. Não dá pra colocar sob o tapete, até porque na maioria das vezes o tapete é azul e a gente conhece pelo nome de oceano. O fétido odor de urina e fezes humanas é execrável. Cultuar este tipo de comportamento como pitoresco é algo que não se concebe mais. É possível preparar uma geração mais consciente, mais educada. É possível e absolutamente essencial formar cidadãos mais comprometidos com o todo. É possível fazer destes aprendizes de cidadania multiplicadores e fiscais
dos próprios pais e comunidade. Pronto: Projeto MENINO SALVADOR ou SALVADOR É UMA CRIANÇA! Só que dá trabalho. Muito trabalho. Convencer, motivar e fiscalizar dá trabalho!
Finalmente, meu caro e provocativo amigo, chegamos à segurança. Simplicidade nas soluções. Simplicidade com comprometimento coletivo. PROJETO RONDA DE RUA ou RONDA DO BAIRRO. Aproxime o policial do cidadão de bem. Coloque gente na rua. Verdadeiros Guardas Noturnos da cidadania, do direito de ir e vi em paz. Envolva as associações de bairro. A cada dia voluntários e policiais cuidando do coletivo, da própria comunidade, da vizinhança. Transformando sua rua, seu bairro num lugar mais seguro e tranquilo de se viver. Envolvimento, convencimento, coletividade. Tudo através de comunicação clara e transparente. Hoje não tem dinheiro pra só ter polícia, vamos ocupar as ruas com gente de bem. Tirar os espaços de quem é bandido. Simples não é? Sem quase nada de recursos públicos.
Antes que este texto vire um livro, são pequenas idéias diferentes trazidas por uma pessoa numa única madrugada de meditação sobre o assunto, graças à sua provocação. Pense numa mínima ampliação disto.
Gente pensando Salvador pelo prisma do bem, com bom senso e simplicidade. Me parece ser o foco mais interessante de um gestor que realmente esteja a fim de fazer.
Pra finalizar, meu caro, queria dizer que me senti duplamente honrado por você. Primeiro pela provocação de trazer idéias positivas e soluções criativas num campo em que nunca sequer pensei em atuar. Excelente exercício. Obrigado. Segundo pela insígnia de Corneteiro. Aprendi com meu pai, um apaixonado pela história da Bahia, que um dos heróis da independência deste estado foi um corneteiro de fato e de direito: O Corneteiro Lopes. Diante de um exército português muito mais numeroso, o tal "corneta" recebeu a ordem superior de executar o toque de recolher. Não se sabe muito bem até hoje se por absoluta coragem e heroísmo (como defendem os mais otimistas como eu) ou se por covardia e atrapalhação (como defendem outros mais pessimistas) o Corneta Lopes tocou o toque de avançar. Ao ouvir aquilo os portugueses começaram a recuar e fugir, imaginando um reforço que não existia. O nosso exército se contagiou com aquilo e partiu pra cima, vencendo uma batalha já dada como perdida, que foi essencial para nossa independência. Então, meu caro, fico
muito feliz em fazer parte dos corneteiros desta cidade. É através da crítica, do desabafo, da indignação que a gente também vai conseguindo chamar a atenção das pessoas e contagiando um exército de cidadãos mais comprometidos com o bem desta terra!
Um viva aos corneteiros!
Excelente texto, Didier. A simplicidade é sinal de inteligência. Veja só o metrô: escolheram o mais mirabolante dos projetos, esqueceram a simplicidade e até hoje a gente paga por isso, e sem usá-lo. A gente podia pegar as suas ideias e mais algumas que eu tenho mofadas na gaveta e ir até a Câmara de Vereadores. O não está garantido. É simples, vamos nessa? E que as suas cornetadas façam Salvador avançar.
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