sexta-feira, 1 de maio de 2020

Saudade (Ao irmão de vida George Valente Vassilatos)



Geo, meu irmão, quantas vezes em nossas vidas, desde que fomos colegas na adolescência, conversamos e brincamos sobre este momento...
A mudança de dimensão...
Quantas vezes, nas longas conversas por telefone, um empurrava pro outro a difícil missão de ficar e ter que lidar com a dor da saudade e da ausência...
Quantas vezes, e eu recordo isso entre lágrimas e sorrisos, você não me disse que "eu ia ter que arranjar um guindaste pra me ajudar a carregar o seu caixão"...
Tempos do Geo Gordo, com quem a gente tanto brincava e curtia...
Muitas saudades...
Depois vieram os tempos da doença, das químios, das internações, das orações...
Tempos difíceis, quando mais do que nunca tive que aprender com você, às vezes duramente, o quanto a amizade está ligada ao respeito...
E pude entender que, mesmo discordando absolutamente de várias de suas decisões, meu papel de irmão não me permitia, naquele seu momento, colocar minhas opiniões acima de sua verdade e da nossa amizade!
Quanto aprendi com você, irmão, em todos estes quase 40 anos de amizade....
Dia difícil hoje, meu irmão...Semana muito difícil....Uma dor profunda, muito difícil de administrar...contra a qual só tenho dois escudos: a missão de cuidar de Tia Lia e a profunda gratidão de ter o privilégio de tua irmandade até o fim desta etapa que vivemos aqui na Terra...
Da última vez que nos encontramos pudemos conversar sobre a vida e sobre Deus, choramos e rimos juntos e, mais uma vez, voce me chamou de "Pollianesco Irmão"... E pudemos partilhar sobre a certeza de um Pai que não exclui ninguém que o procura com o coração aberto e sincero...
Pois é Geozinho...com o coração profundamente sentido e saudoso, seu amigo "polliana" continua a acreditar no melhor! Continua a ter fé de que você está bem, agora, nos braços de um Deus amoroso que sabe muito bem as toneladas de amor e bem que você trazia dentro de si e generosamente distribuía pelo mundo! Se nós, tão falhos e humanos, podemos experimentar um amor incondicional por nossos filhos, como não confiar no amor deste Pai, criador de cada um de nós?
As lágrimas vêm,(como impedir)?
Dora e Let que aprenderam a amar e admirar tanto este seu jeito, partilha a mesma saudade e sentimentos... Pausa no isolamento para um abraço em família "in memorian" de alguém que está presente de tantas formas em nossas vidas e em nosso lar. Quantos mimos te fazem e farão presentes aqui enquanto estivermos nesta casa...Quantas lembranças de sua vinda aqui...
Mas em se tratando de você, como não chegar na mesma hora uma lembrança que também nos traga
alegria, que nos faça rir...Os "causos" que voce nos contava, as vezes em que voce vociferava e revivia as emoções que sentiu em alguma situação vivida, para logo depois amansar o ambiente com sua ternura e doçura tão próprias?
Geo, meu irmão...Voce vai fazer muita falta num mundo que precisa tanto de gente como você!!! Gente transparente, verdadeira, sincera, muitas vezes além do ponto. Alguém tão educado (uma das pessoas mais educadas que já conheci), mas com uma capacidade admirável de se fazer admirar e amar até nos momentos do mais absoluto descontrole...
Falar o que de alguém incrivelmente tão singular e tão plural? Uma admirável cultura, um profundo senso crítico, um olhar detalhista e observador, uma voz impecável, um comediante nato, um poeta escondido, o cara que foi capaz de dar a Salvador uma casa de arte digna de qualquer capital européia, seu gabinete de artes... Em todas estas atuações, uma ética impecável, uma honestidade implacável, um bom gosto incontestável! Mas tudo isso era "fichinha" diante da generosidade do amigo (quantas pessoas voce não ajudou nesta vida?), diante das relações humanas que conseguia manter com todo o tipo de gente, sabendo o nome de todas as pessoas que passavam por seu caminho. Garçons, enfermeiros, maqueiros, manobristas, secretarias, enfim, muitos dos que são
invisibilizados por suas funções, você conhecia pelo nome e, muitas vezes, pela história de vida!
Como você mesmo fazia questão de frisar, estas qualidades todas não lhe faziam um santo. Havia o outro lado, que você dizia vir do seu lado grego, aquele que lhe fazia ir do zero ao cem em segundos, aquele que lhe fazia gritar, às vezes, "ame-me ou deixe-me!", que na sua própria descrição "transformava o delicado lorde inglês em um Ogro". Mas tinha algo tão visceralmente humano até nisto, meu irmão, que nesta mistura ímpar de mãe baiana com pai grego, nascido em Nova York, havia alguma pitada de muito divino, sem dúvida nenhuma! Nas poucas vezes em que pudemos estar juntos em algum rito religioso, chamava a atenção a sua contrição e sua preocupação com o sagrado!


E, falando em sagrado, do alto do seu calvário, como não falar do filho absolutamente dedicado que, até os últimos momentos, procurou preservar a Mãe de tudo, cuidando para que ela fosse sabendo aos poucos da sua situação, tentando ter o controle para que ela mesma mantivesse o controle e a paz...Quanto amor e dedicação, não é Geo? Aliás nossas mães eram o assunto mais frequente nos nossos papos de um ano pra cá...
Bom, irmão, você sempre soube que, desde que me entendo por gente, o papel é minha válvula de escape...Então, olhando este lindo por do sol, da sua Barra, ergo uma prece de gratidão ao crepúsculo da sua vida. Você encheu os olhos e os corações de todos os que lhe conheceram com cor, beleza e muita vida! Em cada amigo voce fez um irmão, em cada pessoa você fez um fã! Ao fechar das cortinas, neste último ato onde o Valente deu lugar ao Vassilatos, aplausos de pé e uma enorme gratidão a Deus por sua existência! Vá em paz, meu irmão! Amamos você para sempre!





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