sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Vovó "Durce"...



Minha avó Dulce tinha um olhar melancolicamente doce...
Uma sombra meio triste que, de uma hora pra outra, se iluminava num sorriso...
Vivia para os seus...cuidando de tudo, como uma prendada dona de casa devia fazer na época em que viveu!
Minha "Vó Durce" tinha algumas paixões que transfiguravam dela para quem quisesse perceber...
Uma delas era meu avô Alexandre! Como ela cuidava dele, o respeitava e ficou triste com sua partida...Arrasada seria o termo...Daí pra frente a depressão não a deixou em paz...
Aliás, minha avó foi uma das pessoas nas quais foi mais sensível a dor pela ida precoce de "Tio Jone"...Não foram poucas as vezes que ela ficava me olhando e depois de um longo suspiro me dizia:
-"Voce parece tanto com seu pai! Eu sinto uma saudade de João Augusto!"....
Outra paixão era o chocolate...como ela gostava! E creio que gostava mais ainda de oferecer chocolate para família! Ela adorava a algazarra que produzia quando passava com sua caixa plástica com todo tipo de chocolate e bala que se pudesse imaginar... Todo almoço na casa dela era uma farra... Primos reunidos para sua inesquecível feijoada, não sem antes bater o tradicional "baba" no playground do Edifício Antunes (que deveria ter sido batizado de Ed. Maia) sob os protestos do porteiro Aluísio...Depois, cansados e suados, subíamos as escadas até o primeiro andar, passando pelos combongós redondos, para nos resfastelar com os quitutes de Vovó Dulce... Na mesa, sempre
orgulhoso pelo sucesso da esposa, Xanduba sorria discretamente, satisfeito e feliz com a família reunida!
Depois do almoço e da sobremesa ela vinha lá de dentro com sua enorme caixa de bombons e oferecia a todos, um por um, para que tirássemos aquele que mais nos apetecia!Chego a sentir o gosto do saquinho de "confete" ou do alpino que ela chamava de "saia plissada"...Doces lembranças...
Silenciosamente estava atenta a todos e queria agradar a cada um de seus filhos, netos e agregados com um amor e uma entrega inesquecíveis!
Quando chegamos de Brasília, logo que entrei em sua casa, ela olhou pra mim e para Luly e disse:
"- A ceia está na mesa. Vão ariar os dentes no quartio sanitário!" De onde vinha aquele sotaque espanhol?! Um quartio pras oitio? Que língua era aquela?fiquei mais perdido que camarão em tsunami...se não fosse Tia Zélia que, vendo meu desespero sem saber o que fazer, traduziu aquele "dialeto", me orientando a escovar os dentes no banheiro, acho que estaria ali até hoje!
Ao voltar para a mesa, fui apresentado por ela ao Leite Ninho! Com aquela medida de alumínio, ela fez a "mágica" de transformar aquele pó em leite e me fez saborear o mais delicioso "nescau" de meus "longos" sete anos de vida até então!
Tudo na casa de minha avó tinha um toque diferente... Um cheiro, uma cor, uma textura...Tudo era novidade praquele brasiliense recém chegado ao solo sagrado de suas origens baianas...
Quem não lembra da cristaleira dela, de seu presépio fluorescente que iluminava o escuro da sala de estar. Quem não lembra das canecas dos inúmeros festivais de chopp promovidos pelo Lions, cujo único Leão padrão temos o privilégio de ter como avô e pai?
Entre tantas lembranças muito especiais, lembro da última vez que a vi, numa véspera de
Natal... Nosso grupo de canto da paróquia de Santana resolveu cantar músicas natalinas para alguns idosos , passando por suas casas... ligamos pra perguntar se ela queria que passássemos la e ela disse que sim... Nesta época vovó e a também inesquecível Tia Regi moravam juntas... As duas, como boas irmãs, se amavam tanto que viviam se digladiando pelas coisas mais corriqueiras... Desta forma afirmavam que se importavam uma com a outra! Depois das músicas natalinas Tia Regi pediu sua música favorita de igreja: A Barca!  Quase rola uma discussão pois a música não era natalina....No final, a emoção acabou transbordando tudo!!!! Saímos de lá felizes por aquele momento, mas meu coração estava pequeno e eu não sabia porquê... Depois eu entendi que foi o nosso "até breve" sem que ninguém houvesse combinado...
Hoje Tia Zélia nos presenteou com a lembrança da celebração de sua vida! E Leco com uma linda canção falando dela e de seu inseparável Xanduba! Que, de junto de Deus, eles possam abençoar a todos nós...filhos, netos, bisnetos e Laurinha, nós que damos seguimento ao amor que eles começaram, namorando escondido, meu avô na praça do Rio vermelho, minha avó na janela do sótão de sua casa...
Uma linda história de amor para cada um de nós sentir muito orgulho e gratidão!
Um viva à vida de D. Durce!

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