segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Visões




Não sei mais quando foi,
mas um dia desses achei ter encontrado um anjo,
em forma de um velho morador de rua
que me parou numa esquina
e, ao invés de me pedir esmola,
me ofereceu palavras tão sábias
verdades tão suas,
que aquilo me pareceu, de verdade,
uma grande revelação,
da qual me questionei apenas
se era ou não merecedor...

Os olhos daquele homem
falavam de valores perdidos,
como que representando
os seus cinco sentidos
e os seus incontáveis sentimentos,
indecifráveis emoções,
inenarravéis sofrimentos,
contados de forma pausada,
numa sutileza cansada,
própria daquele momento...

Seu nome era Francisco,
simples como o Santo,
mas ao invés de manto,
cobría-lhe um cobertor antigo
sobre uma camisa de botão,
já esgarçada,
e uma calça social puída,
sustentada por um cinto sem fivela...
Francisco já havia morado num prédio,
depois se mudou pra uma favela,
perdeu mulher, perdeu dois filhos,
perdeu a casa, perdeu a hora,
perdeu os sonhos e se perdeu
entre a cachaça e o cigarro,
até virar morador de rua,
ali pelos lados do Liceu.

Mas não foi por lá que me bati com ele.
Francisco estava na porta de uma igreja,
na mesma situação que eu,
à espera que ela abrisse suas portas.
Mas suas portas estavam fechadas.
E foi ali, diante das portas cerradas
de um templo cristão-católico,
que tive a sorte, (ou seria a graça?),
de conhecer Francisco,
o velho morador de rua
que me fez parar mais uma vez
pra pensar no quanto somos tolos...

Por motivos absurdamente diferentes
estávamos ali, eu e o "Velho Chico",
defronte da mesma porta,
barrados do mesmo jeito,
frente a frente com a realidade.
E uma verdade me ocorreu...
Se aquela fosse a porta do céu
e dela saísse, de repente,
um anjo, um santo,
um enviado de Deus
e simplesmente perguntasse
quem de nós, eu ou Francisco,
merecia entrar primeiro,
na mesma hora eu tiraria o cisco
do meu olho e diria
que eu não seria digno de desamarrar
os farrapos que aquele homem
usava como sandálias...

E, com pureza alma, diria isto sorrindo!
Estaria vivendo, de fato, o Evangelho.
E, mesmo ficando do lado de fora,
com medo do choro e do ranger de dentes,
saberia que a justiça havia sido feita,
de forma plena e perfeita,
com a entrada de Francisco no reino...

Despertei desta viagem com um comentário
daquela figura, ao mesmo tempo tão imunda e tão pura.
Descendo os poucos degraus do adro daquela igreja,
o Velho sorriu desdentado pra mim e me disse:
"Deve haver outra igreja por aí, na certa.
Vou até lá encontrar com Deus.
Ele não está nestas igrejas desertas...
Está nas igrejas de portas abertas,
porque até na cruz ele abriu os braços
por mim e por você"...

Depois sumiu na outra esquina
e nunca mais o vi naquelas bandas...
Deve estar abraçado com seu Cristo,
o verdadeiro, longe dos poderosos
e dos embusteiros...

Fico pensando se Francisco foi uma visão,
uma revelação ou apenas uma inspiração...
Como chegou, ele se foi, sem muito alarde,
sem muita provocação, em qualquer manhã ou tarde da vida!
E ao me lembrar de suas palavras,
da mesma forma que um certo par de discípulos em Emaús,
meu coração ainda arde!

E eu só posso agradecer a Deus
pelo encontro com Francisco.
E por aqiele pobre homem,
generosamente, ter partilhado comigo
o "seu pão"...

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